DO VENTRE, BRAÇOS, COLOS E BERÇOS À ESCOLA
INFANTIL:
O BEBÊ/CRIANÇA/ALUNO
“Enquanto for... um berço meu
Enquanto for... um terço meu
Serás vida... bem vinda
Serás viva... bem viva
Em mim.”
Enquanto for... um terço meu
Serás vida... bem vinda
Serás viva... bem viva
Em mim.”
Trecho da música Realejo
O Teatro Mágico
Confesso
que ao me desafiar a escrever sobre o bebê antes da sua inserção num espaço de
educação coletiva, fiquei por dias frente a uma página em branco. “Antes de
escrever, eu olho assustado, para a página branca de susto”, e eu me apoiava
nas palavras de Mário Quintana... De alguma forma deveria começar a escrever...
Mas por onde?
Aos poucos, comecei a pensar o porquê
desse susto frente a essa página em branca? Ora, há tanto tempo trabalhando com
bebês, não conseguiria falar sobre eles? Mas daí o detalhe: falar do bebê antes
da escola infantil... E daí outro detalhe, não sou mãe, logo não tenho os sentimentos que uma gestação
provoca... Nesse momento recorri a livros que (pelos títulos) uma mãe
compraria. Foram esses livros que utilizei para compor essa escrita:
Conversando sobre Bebês: do nascimento aos 3 anos e Seja Bem-vindo! Cartas a
uma criança que vai nascer.
O primeiro livro foi escrito por
Brigitte Thévenott e Aldo Naouri sua escolha se fez pelo seguinte sumário
dividido em seis capítulos: Nascer, ser alimentado, ser carregado, ser banhado,
brincar e falar. O segundo livro tem como autores María Novo, que escreve
ficticiamente durante sua gestação para o filho que estaria esperando e
Francesco Tonucci que além de introduzir o livro vai ao longo das cartas
ilustrando de forma divertida os pensamentos desse bebê que está para chegar.
E com esses livros vou em busca, investigando,
me instigando, novos olhares vão surgindo e aos poucos vou vendo alguns
detalhes...
Nove
longos meses durante os quais ele acumulou uma experiência considerável e que
ainda era insuspeitada pela ciência, há apenas duas ou três décadas. Seu tempo
no ventre de sua mãe não foi uma estada vegetativa, neutra ou passiva, dedicada
somente à espera de sua vinda ao mundo aéreo. Sua estada foi fortemente
formadora e armou-o e preparou-o perfeitamente para as etapas ulteriores de sua
vida. [...] Sabe-se, em todo o caso, com uma grande certeza, que essa etapa
programou-o, literalmente, no corpo de sua mãe. ( NAOURI, apud Thevénot e Naori,
2004, p. 42)
E assim
começo a discorrer sobre o bebê, o bebê que já está se formando enquanto
criança “in utero” (THÉVENOT e NAOURI, 2004, p. 43). E sobre essa formação,
assim como a citação acima, temos que lembrar que o recém nascido já nasce com
os meses da vida intra-uterina, que mesmo no ventre ele começa a ser concebido
como um ser inteiro. Sobre o seu nascimento temos variados sentimentos, reações e considerações.
Podemos ver esse nascimento do bebê (já
considerado um ser de direitos e de movimentos) como um grande encontro e após
as palavras de Boris Cyrulnik (apud THÉVENOT e NAOURI, 2004, p. 43) podemos
seguir mais um pouco nessa escrita.
Há,
ao menos, mil maneiras de nascer, afirma ele. O dia do nascimento não marca o
início da vida, mas simplesmente o dia em que se cai diante dos olhares dos
outros, em que se recebe um nome, em que nosso sexo é reconhecido. A vida
começa bem antes. A aparição do sentimento de pessoa se constrói lentamente. O
bebê é imaginado antes de ser percebido, é falado antes de ser ouvido, pois
nunca ouvi uma mulher grávida falar para seu bebê chamando-o de meu feto
adorado.
Antigamente, tinha-se a idéia de que
o bebê ao nascer precisava de um período de maturação para melhor se
desenvolver, era então, enrolado em mantas, ficando um perfeito pacotinho, para
daí poder adquirir maior destreza e firmeza em seu pequeno corpo. Só mudamos essa concepção ao percebermos que o
bebê já no útero materno realiza muitos movimentos.
Nossos
bebês (na sua maioria) já nascem
portadores de movimentos, culturas, nomes, e suas histórias começam bem antes
de nascer...
Mesmo que as concepções sobre
gestação, nascimento, desenvolvimento infantil, estejam mudando ao longo do tempo, o bebê continua
sendo um objeto do nosso saber e poder. Somos nós, os adultos, quem o
significamos. Nos aproveitamos da temporária dependência que o bebê possui nos
primeiros anos de vida, para a nossa maneira o inserirmos em uma cultura.
Conforme afirma Thévenot e Naouri (2004, p. 90)
Totalmente dependente
de sua mãe que o alimenta, o troca, o lava, o faz dormir, conversa com ele,
etc., é sempre de seu comportamento que vem a solução para a criança. Ela é,
durante meses, sua “passarela” quase exclusiva com este novo universo.
Do ventre da mãe para seus braços. O
que carrega um bebê? Quem o carrega?
É Winnicott (1988) quem nos fala da
importância dessa díade. O bebê se recarrega nos olhos da mãe, seu primeiro
espelho, se deixa manipular, gosta do toque, do contato físico. O bebê
transformará a mãe e a mãe será muito importante
para o bebê. No seu colo, no seu corpo, pelas suas palavras o bebê estará se
constituindo enquanto sujeito. Aproveitando as palavras de Thévenot e Naouri
(2004, p. 88)
Ser carregada, para
uma criança, é fabricar para si a consciência de seu corpo, a consciência do
outro e o estoque de lembranças que permitirão a manutenção dessas
consciências.
As mesmas concepções que mudaram o
modo de recebermos um recém nascido (não mais enrolá-lo em mantas!), trouxeram
também outras idéias e artefatos... Por vezes (e ainda hoje), escutamos que não
é bom para o bebê que seja muito pego no colo (???), pois precisa se acostumar
a ficar só, já que a mãe não terá tempo somente para ele. Do mesmo modo
escutamos que é o bebê quem tem que se adaptar aos pais, assim precisa aprender
a dormir no barulho, a ser alimentado em determinados horários, entre outras
coisas.
E já que segundo alguns, é melhor a
criança não ficar no colo, começamos a falar do berço, o substituto dos braços
e enlaços da mãe...Vamos adentrar nessa fala de uma maneira divertida, vendo o
berço como um mito, algo até associável quando falamos em bebês. O quadro a seguir
foi um exercício de escrita, anterior à essa monografia, mas que julgo ser bem
pertinente para a continuação desse trabalho, dando vistas para seu objetivo
principal.
O BERÇO
O berço: Um móvel ou uma palavra com o
sentido de origem. Então no móvel a origem. Origem e ninho. Lugar de acalanto
feito acalento. Lugar calmo, de proteção ao sono. Origem de um mundinho, um
mundinho cercado, escolhido por alguém maior. Uma “gente grande” (CORAZZA,
2002) que de tão preocupada comprou a origem, digo o móvel, antes mesmo de ver
quem nele iria ficar...
Ansiedade consumista, diferenciada,
moderna. É a festa das lojas especializadas no tal berço. Que cor, que tamanho,
qual função? Ah, sim um berço (aquele da origem!) não é mais um simples e
modesto berço. Ele poderá ser o diferencial no quarto do infante (e assim
mudará o futuro do ser pequeno colocado ali dentro...). Com rodinhas, mais
estreito, mais largo, ele poderá futuramente virar uma cama ou um sofá, é quase
uma peça decorativa (de suma importância!), um brinquedo (ver acessórios para
berços) e eu diria que para muitos o berço constitui-se numa grande
multifuncional! Por vezes, cabe em qualquer lugar!
O berço torna-se um cercado, quando o
cercado não é um berço. Vira o móvel um lugar de controle? Dirão alguns: “não
pegue muito o seu bebê no colo, ele tem que acostumar a ficar no berço”. E o
berço vira um pequeno mundinho, tem espaço até para brincar! Aquele móvel acaba
por representar conforto e segurança, quase como uma arquitetura de casa. Tudo
o que ele precisar vai estar ali, por vezes e se tiver sorte “a gente grande”
pode vir com suas paparicações.
E se ele for pra creche? Recanto dos
berços! Um berço para cada bebê! Só saem dali quando precisam ter suas fraldas
trocadas. Ah, mas os berços são pedagógicos! Tem móbiles de acordo com o
projeto que os bebês irão desenvolver e figuras nas suas “paredes” internas
(não falei que era quase uma casa?!).
E pensando bem... E quando o bebê não for mais para o berço?
Sair do berço não é fácil, até porque
penso que inventaram extensores dos berços. Gravem esses nomes: Carrinhos de
bebê e Bebê conforto... Argh... Um para fazer
pequenos passeios e o outro para passear de carro, mas quando todos
descem do carro, o bebê conforto (irmão do berço) desce também... Atualmente
sair do berço não mais significa ir para o colo quentinho, cheiroso e gostoso
da mamãe, sair do colo significa ir para o lindo e prático carrinho ou para o
versátil bebê conforto! O que mais poderíamos querer?
Mas há um momento único... Quando o
ser pequeno cresce e fica tão grande que não cabe mais no berço. Opções?
Quebrar o berço? Trocá-lo por uma cama...
Assim, ao longo dos primeiros anos é o
berço o maior responsável pela preparação da criança para a vida adulta. Seus
limites, seus movimentos, sua linguagem
são desenvolvidos num móvel controle, tão útil e escolhido por quem mais
vai lhe amar na vida.
Fonte:
Registro de acompanhamento da autora / 2011.
Começo
a pensar de diversas formas, por tempo aproveitando, a mãe que não sou, me pego
com as cartas de María Novo, leio o livro num dia... Quantos sentimentos
existem nessa relação mãe/filho. A preocupação com o recém nascido, com as
descobertas, com a criação de detalhes
sobre essa vida que chegará... E depois do ventre, colos, braços e berços, para
onde levar esse bebê?
Novoa
(2009, p. 12) lança a pergunta que ela e Tonucci julgavam como o principal
ponto de reflexão do livro, “quanto vale o primeiro ano de vida de uma
criança?” E já escrevendo para o João (bebê que estaria esperando), repassa as
seguintes informações:
Francisco diz que,
quando vocês são tirados desse microcosmo e são levados a outros lugares, o
“mundo inteiro” de vocês se desorganiza, exceto se nesse outro lugar também
houver um certo sossego e esteja presente a figura da mãe ou do pai, que lhes
servirão de referência. Essa idéia me fez pensar de novo na creche, um lugar
que, por melhor que seja, você não poderá “reconhecer” quando ainda tiver
poucos meses.
Eu acreditava
ingenuamente que, se o levasse, ainda cedo com outras crianças, em seguida você
se tornaria mais sociável. Mas Francisco insistiu que essa sociabilidade, como
tudo, surge pouco a pouco e tem seu ritmo, e que durante o primeiro ano você
tem que fazer outras aprendizagens mais importantes, como a da segurança, a do
afeto, que justamente lhe servirão depois para que se relacione com os demais.
Esse blog, se constitui a
partir das experiências que acontecem entre educadores e bebês num espaço de
educação coletiva. Mas é válido deixar por último a idéia de como seria bom se
todas as mães pudessem acompanhar com qualidade esse primeiro ano de vida de
seus filhos. Na realidade, temos mães que precisam voltar ao mercado de
trabalho após sua licença maternidade e mães que não se dedicariam tanto para
seus filhos (e daí adentramos nas
culturas familiares...).
Para
alguns a creche continua sendo vista como “o mal necessário” (VIEIRA, apud
GOBATTO), mas para muitos ela servirá para retirar as crianças das “loucuras”
de suas famílias.
E desse ponto em diante passo a me perguntar o
que o bebê irá encontrar na escola?
Sigo
evocando a importância da professora de bebês, da potência das relações, do
poder de convocar que os bebês possuem, primando por transformar a escola num
local de respeito ao outro, onde se ofereçam experiências profundas e
carregadas das multiplicidades das nossas infâncias.
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*Texto que fez parte do primeiro capítulo do meu trabalho de conclusão em Especialização em Educação Infantil, com o título "Tempo de dar colo, tempo de decolar: os bebês, a professora e as experiências nas turmas de Berçário".
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